A Praia da Memória - Prólogo



(...)

No Verão em que fizeram treze anos, sentiam-se cheias de uma agitação inesperada, como o ar antes de uma tempestade, enervadas, tensas e irritáveis. Começaram a ter o período, e Lexi deu um pulo, ficando quase com um metro e oitenta e dois, e, de repente, as duas raparigas viram-se com a inconfundível e duvidosa bênção de terem seios. Oh, elas tentaram impedir as transformações da adolescência. Deram uma à outra alcunhas carinhosas e descontraídas — Clare, a mais baixa e com olhos escuros, era a «Corça», e Lexi, alta e magra, era a «Cegonha». Usavam roupa larga para taparem os corpos em transformação, mas depressa descobriram que eram impotentes perante a força que as empurrava como se fossem madeira à deriva no mar.

Clare sentia uma paixão assolapada por Adam, o irmão mais velho de Lexi. Ele tinha quinze anos, era alto, com ombros largos, cabelo e sobrancelhas castanhos que se haviam tornado brancos com o sol e os olhos verde mar de Lexi. Tinha uma voz profunda e uma gargalhada descontraída que fazia com que Clare se arrepiasse. Lexi estava apaixonada por Tris, o melhor amigo de Adam, que tinha ombros largos, cabelo ruivo chamejante e uma voz retumbante. Às vezes, Adam ia a casa de Tris, ou jogava futebol ou basquetebol com os amigos. Havia dias em que Tris vinha passar um bocado com Adam. Nessas alturas, as raparigas saíam do quarto de Lexi e andavam sorrateiramente pela casa, a espiar os rapazes, espreitando pelas portas, escondendo-se atrás da mobília, beliscando os braços uma da outra até deixarem marcas.

Num sábado à tarde, Adam e Tris e outros três rapazes sentaram-se à mesa da cozinha a jogar póquer. Clare e Lexi fingiram que viam televisão na sala da família, mas foram à cozinha tantas vezes quanto a sua dignidade lhes permitiu, fingindo que iam buscar batatas fritas, ou Coca-Cola, ou maçãs. Quando o jogo acabou e os cinco rapazes se levantaram e saíram ruidosamente da cozinha com as suas grandes e peludas pernas, rindo com as suas vozes retumbantes, Clare e Lexi entraram rápida e sorrateiramente na cozinha como um par de espiões e depois correram para o quintal, agarraram nas bicicletas e pedalaram até à praia das Conchas-Lua.

Esconderam as bicicletas nos arbustos e abriram caminho pelo meio de arbustos-rosa rugosa, de árvores-da-borracha e de ervas altas e afiadas como navalhas. Por baixo dos pés delas, o chão fazia chape-chape. Pequenos galhos dos arbustos das ameixieiras-selvagens arranharam-lhes a pele, mas continuaram por meio da vegetação rasteira até que, de repente, chegaram à enseada escondida. À frente delas, espraiavam-se as águas azuis do porto. Atrás, o pântano curvava-se como uma cortina verde, protegendo-as do mundo verdadeiro. Ajoelharam-se na areia e tiraram para fora os tesouros roubados. Embrulhado num guardanapo de papel estava o resto de uma sanduíche, o pão recortado num meio círculo onde a boca de Tris o tinha mordido. Clare tinha uma maçã, parcialmente comida por Adam.

— A boca dele esteve aqui — sussurrou Lexi.
Levou a sanduíche aos lábios e fechou os olhos, pensando no hálito de Tris. Clare passou os dedos pela carne branca e húmida da maçã e pensou nos dentes brancos e alinhados de Adam. Decorrido um bocado, Lexi riu-se, tentando suavizar a intensidade do momento.
— Estamos um bocado malucas, não estamos?
Mas Clare permaneceu séria. Do outro lado da água, junto ao pontão da povoação, os ilhéus pintavam os fundos dos barcos a remos de azul-turquesa ou vermelho-escarlate. O sol na água ofuscava como clarões de fogo-de-artifício e o ar cheirava a sal e a Primavera. À volta delas, nas árvores e nos arbustos, os botõezinhos desenrolavam-se como milhares de mãos pequeninas a abrirem-se vagarosamente, libertando os seus segredos. E algo premente se abria dentro de Clare, algo estava a acordar.
— Lexi, vamos fazer um pacto. Vamos jurar que nunca traremos um rapaz aqui, a não ser que seja o homem com quem nos vamos casar.
— Casamento! — gritou Lexi. — Uuh! O casamento está a um milhão de anos, Clare.
— Eu sei. Mas mesmo assim… — Clare abriu os braços, abrangendo a praia, a água, o momento, tão privado, tão rico. — Isto é mesmo o nosso sítio, Lexi. E as coisas estão a mudar. Nós estamos a mudar, não sentes isso? Lexi fez uma careta e encolheu os ombros. Clare passou o dedo pela pele vermelha da maçã.
— Agora estamos a brincar, mais ou menos. Sabes? Mas um dia vai ser a sério. E eu não quero, oh, não sei, estragar este sítio. Lexi remexeu-se na areia.
— Percebo o que dizes. E tens razão.
Clare continuou:
— Esta é a nossa praia e não vamos trazer para cá um tipo qualquer
— … porque, sabes — troçou Lexi —, borrachos como somos, vamos andar com tantos tipos! Clare continuou com uma expressão solene.
— Por isso, eu juro que não trarei qualquer homem aqui a não ser que ele seja o homem com quem me vou casar.
Lexi acalmou.
— Eu também juro.
As duas raparigas enfiaram as mãos nas águas transparentes do porto de Nantucket e depois, com as palmas molhadas, deram um aperto de mão solene.
Lexi voltou a soltar uma risadinha,
— Clare. Tu disseste homem.
Olharam uma para a outra espantadas, assustadas e ansiosas.